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O segredo do sucesso do processo criativo

Acende a vela, liga o abajur, escolhe uma playlist, abre o computador, senta e escreve. Fácil, né? Mas, pera. Faltou pegar uma água. Aí, já que eu tô aqui vou fazer um chazinho. E cortar o inhame para fazer um caldo pro jantar, né? Ixi, esqueci da roupa na máquina, tá lá desde de manhã. Não, faço isso depois que as crianças dormirem. Tenho uma live hoje, esqueci de divulgar, vou ter que mexer no celular. Mensagem de Julia, preciso responder. Ah, mas essa mesa tá tão bonita, vou postar. A página ainda tá em branco. Qual era aquela ideia mesmo de hoje de manhã? O que eu sonhei ontem? Não, essa música não. Acho que vou fazer um café. Putz, daqui a pouco as crianças chegam. E eu não escrevi nada. Nada.

É basicamente esse meu processo criativo. O que acontece é que dentro de tudo isso, as páginas vão se preenchendo e eu nem sei como isso acontece muito bem. Recebi uma mensagem de uma pessoa outro dia, que tem um blog sobre como escritores escrevem, e ele me chamou para participar. Até hoje não tive coragem de mandar a resposta, ainda mais depois de ler os processos criativos publicados das outras pessoas. “Escrevo de tarde, geralmente, abro um vinho, respondo e-mails antes e depois começo”. “Funciono melhor de madrugada”. “Não acredito que seja necessário escrever todos os dias, escrevo quando a ideia vem”. Me perguntei primeiro se essas pessoas têm filhos. Porque, no caso, eu tenho três. Mas, será mesmo que eu não tenho rotina de escrita? Será que eu deveria ter? A resposta para perguntas como estas é sempre: preciso me organizar, socorro.

Outro dia tive um papo virtual com uma amiga que é escritora, e ela me disse que tira uma hora por dia para escrever seus projetos literários, de segunda a sexta. Eu estou escrevendo um livro em pequenos pedaços, aparentemente. Às vezes, consigo fazer uma página, depois outra, às vezes, só três parágrafos. Passo cinco dias sem abrir o arquivo e morro de culpa. Tentei acordar mais cedo, não deu certo. A inspiração anda vindo à noite e eu quase sempre estou exausta. Mas, segundo essa minha amiga escritora, é normal esses ímpetos noturnos, já que estamos no outono e já já chega o inverno. De manhã, não é ideal de escrita no momento. Eu quis rir e chorar ao mesmo tempo quando ouvi isso dela. Até essa regra existe?

Eu fico com as crianças metade da semana e a outra metade elas estão com o pai. Eu deveria escrever quando estivesse livre, certo? Não acontece. Eu sou a prova viva de que processo criativo tem pouco a ver com tempo livre. Vale uma dose de organização? Sempre. Tento desesperadamente ser mais organizada? Com certeza. Escrevo todos os dias? Sim. Espalho palavras aleatórias num caderno enquanto tomo café da manhã, todo santo dia. Mas o livro, esse vem e vai. Mesmo que ele seja urgente dentro de mim, já aprendi que ele quer me abraçar devagar.

O que eu tenho percebido é que balancear é necessário. Priorizar a escrita também. Sim, é possível escrever, se organizar, do mesmo jeito que sempre vai ter algo que te leva pra longe daquilo. O trabalho de um escritor ou um artista é voltar pra perto, então, não deixar escapar demais, voltar pra si. O segredo, no entanto e ainda, é sentar e escrever. Desesperadamente? Com certeza.

– Tati Sabadini

 

Pensando em contar um pouco dos bastidores da vida dos escrevedores, convidamos algumas escrevedoras que tem lugar cativo em nosso corazón para contar um pouco sobre seus processos criativos. A primeira a dividir com a gente foi Tati Sabadini. 

Tati Sabadini é escritora e jornalista. Ama um vento no rosto, qualquer frio na barriga e histórias que não desaparecem no tempo. Publicou de forma independente os livros Diário de uma jovem escritora, Confissões de quarta-feira e, em breve, Poemas que eu não queria ter escrito sobre você. Escreve para entender, para lembrar e para se salvar. Sempre. E é mãe da Maria, da Isabella e do Francisco.


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